segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Esperteza?

Voltando a escrever neste blog, não poderia deixar de expressar algo que está preso há horas na garganta. O Brasil é um país de todos, uma economia emergente, baixo desemprego, uma esperteza sem igual. Não há, talvez, outro país mais astuto no planeta. Somos espertos e rápidos. Ai de quem topar conosco no caminho. Sejam eles mais espertos, ou sofrerão as consequências do nosso "jeitinho".

São poucos os privilegiados que podem morar no exterior e experimentar uma realidade diferente. Alguns conhecem países melhores; outros, piores. Tudo é uma questão de ponto de vista, pois se levarmos em conta a situação do Haiti, por exemplo, para eles o Brasil é potência de primeiro mundo. Porém, sempre que retirados de um lugar ruim para um menos ruim (ou, de um lugar bom para um melhor ainda), o choque é inevitável. Todos esses rodeios para dizer que morei nos Estados Unidos pelo período de um ano, e foi a experiência mais incrível da minha vida. Ok, experimentei a realidade diferente.

Como um dos poucos privilegiados, tive o prazer de conhecer um país que funciona e que não se assemelha em muito ao nosso. O ponto principal é provavelmente o fato de que os americanos não são tão espertos quanto nós somos. Sim, entendo que as universidades americanas estão entre as melhores do mundo. Aliás, apenas um parênteses: entre as 100 melhores universidades do mundo, mais de 40 são ianques. Lembro que a única universidade brasileira que aparece próxima do topo é a USP, já entre as 100-200 primeiras. Mas ok, isso não fala muito de um país, correto? Aqui a gente tem festa, carnaval, futebol, e vida é isso, é curtir a vida. 

A nossa esperteza vai além de uma curtição. Sabemos fechar bons negócios e ganhar muito dinheiro. Se para tal precisarmos passar por cima do nosso colega, nós o faremos. Não importa se o sindicato determinou assim, ou o que o juíz falou acolá. O importante é ser esperto e não cumprir com nossa cidadania. Isso é evidente, por exemplo, na greve dos motoristas de ônibus em Porto Alegre. Já imagino as imbecilidades correndo entre os autores da greve: "Ei, pra que cumprir essas exigências?", "Eles nos devem, não nós a eles", "Não temos nada a ver com as pessoas que precisam do transporte público, eles que se danem! Quero meu aumento". A greve é legítima, mas também o cumprimento das exigências.

Ao que parece, possuímos um receio quanto a exigências. Veja o caso do mensalão, que de tão falado já encheu o saco! Parece papo de criança, ou aulinha de história, mas é a realidade de um país esperto. Afinal, quem não ficaria com alguns poucos milhões que nem fazem diferença para o povo? E um presidente, na posição de autoridade máxima da nação, que dá uma de esperto e finge nada ver ou, pior e comprovável, defende os autores de tal agressão à humanidade. Tudo bem, isso é ser esperto, pois "o mundo é dos espertos". 

Esperteza é sinônimo de ser brasileiro. Fomos espertos quando aceitamos a copa do mundo, mas também quando superfaturamos os estádios a serem construídos. Dando um jeitinho, conseguimos tirar uns trocados aqui, outros ali, e a população ficou chupando dedo. Nem menciono o clichê de hospitais e escolas, mas basta pegar qualquer estradas municipal, estadual, federal, pra saber que a esperteza rola solta. Entre duas importantes cidades do pólo moveleiro e produtor de uva, Bento Gonçalves e Caxias do Sul, é possível se contaminar com atos de esperteza. É quase uma aula de como ser "rápido no gatilho". Dirigir à noite entre essas duas cidades é quase um teste de corrida, desvio de obstáculos e direção às cegas - talvez esse seja o motivo dos tais simuladores no DETRAN. E é bom saber que alguém foi esperto e levou a grana dessa estrada para o bolso.

Universidades, Nobel, carnaval, funk, copa do mundo, estradas, hospitais, escolas. Somos espertos. Os turistas que se cuidem em Junho. Embora não estejamos entre os primeiros do mundo nas modalidades importantes (saúde, educação, qualidade de vida, segurança, etc), estamos no topo nas menos importantes (corrupção, violência, esperteza, etc). A esperteza do brasileiro define quem ele é. E é uma pena, pois aqueles que acreditam no que é certo não são tão espertos para lá chegar. Tentam mudar, mas são mudados. Esperteza? Diga não.